O ato de incluir

Viver a experiência de não ser visto, ser rejeitado ou causar estranhamento, ser repudiado no campo social incorre em um grande mal-estar que pode gerar desesperança, amargura, falta de reconhecimento próprio e em casos extremos, podem acontecer comportamentos violentos como única forma de ser visto.

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Quando se fala em inclusão social logo se pensa naquele que é “diferente”, “minoria”, que está com dificuldade de inserção ou acesso ao mundo, e que traz em si características que não são muito comuns ao grupo que o aprecia.

É certo que cada um de nós já vivenciou um momento de exclusão. Exclusão de uma situação desejada. Exclusão de uma decisão que o envolvia mas aqueles que agiram te deixaram de fora. Exclusão de um grupo ou da vida de alguém que se desejava compartilhar. E isso dói.

Às vezes a gente consegue recursos para, com a dor, refletir sobre o que causou a exclusão. Às vezes a gente é tomado pelo sentimento da raiva e, como reação, pode até excluir de vez o que ou quem te excluiu. Por vezes pode se sentir rejeitado e dar menor valor a si. Ou se pode negar e fingir que isto não está acontecendo, com a consequência de sentimentos relacionados a exclusão voltarem transformados em algo mais incômodo pelo não trabalho de se traduzir a dor sentida. A gente pode ter muitas reações. Mas sobre a dor de ser excluído, isso sempre acontece.


Viver a experiência de não ser visto, ser rejeitado ou causar estranhamento, ser repudiado no campo social incorre em um grande mal-estar que pode gerar desesperança, amargura, falta de reconhecimento próprio e em casos extremos, podem acontecer comportamentos violentos como única forma de ser visto.

A segregação pode ocorrer no registro social, mas as consequências afetam o sentimento de si, as condições básicas de existência. Exclusão é um fenômeno que rompe a possibilidade do ser humano habitar eticamente o mundo humano. Essas pessoas vivenciam a invisibilidade. Não são vistas no campo social.

Reconhecer o sofrimento ou a vontade de ser visível já é uma abertura de espaço para que, no campo social, essa pessoa tenha lugar. Já possibilita novas vivências e reconhecimento de novas facetas em si mesmo.

Quanto mais a pessoa é compreendida, aceita, maior chance terá de abandonar defesas que empregou para enfrentar a vida, e poderá evoluir, num caminho mais construtivo.

Ao começar a fazer parte de um grupo, a pessoa pode se posicionar de alguma maneira, e isso faz com que ter uma diferença seja reconsiderado, deixando de ser um aspecto depreciativo para ser uma condição humana. A pessoa passa a vivenciar as possibilidades da vida e a dificuldade de acesso ao mundo pode deixar de existir.

Somos seres sociáveis e temos sentimentos, emoções, memórias, pensamentos, presença, palavras que desejamos compartilhar. A palavra, o sonho, o humor, a criação supõem sempre a presença de alguém. Criamos laços. E laços não vêm sem promessas. Eles causam expectativas e de vez em quando a gente se vê fora daquilo que esperava. Daquilo que se criou como plano.

Imagine-se sendo excluído não uma, mas repetidas vezes. Deseja expor sua ideia e não desejam ouvir. Deseja realizar uma atividade compartilhada contínua e não desejam seu esforço ou sua presença. Deseja estar nos grupos, nas mídias e não tem acesso. O que aconteceria com seu sentimento de si?

Não se nasce igual a ninguém. Mas se nasce num grupo. Temos diferenças sutis ou marcantes, dependendo de quem as vê. As causas das diferenças podem ser diversas e variar ao longo do tempo. Dependem de recortes. Recorte geográfico, cultural, sexual, etário, étnico, de gênero, tamanho, condição socioeconômica, religião, língua, deficiência, acesso a estudo, hierarquia, profissão, área de atuação etc. As diferenças são parte da vida. Desde sempre. Não há motivo para fazer desse aspecto um critério de convivência, disposição ou definição de futuro e perspectivas.

Maria Laurinda Ribeiro de Souza (2005) escreveu: “O outro, o estrangeiro, o oponente numa competição não é um inimigo; só se transformam nisso por um pretexto para extravasar da crueldade, quando abusa de força ou do poder – talvez pelo temor da própria insuficiência”.

Quem já não se deparou com alguém que precisava de sua ajuda, por exemplo uma informação em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), situação que te confrontou com o seu limite e insuficiência, e te faz procurar outra forma de se comunicar para ajudar. Você não sai dessa experiência incólume. Você tem acesso a informação e tem que cuidar da forma como irá passá-la. Perguntar, seja utilizando a linguagem oral ou a comunicação gestual, se a pessoa pode escrever o que deseja. Se não pode escrever, por não ter acesso à Língua Portuguesa, se pode indicar de outra maneira, apontando, oralizando, indicando em alguma tecnologia. Você pode conseguir passar a informação, ou conseguir ajuda com outra pessoa que domine LIBRAS.

É isso o que faz quem deseja incluir. Cuida desse acolhimento. O grande desafio é falar com alguém (com deficiência auditiva, surdo ou não). Falar e aceitar não introduzi-lo ao sistema das coisas sabidas. É reconhecê-lo desconhecido e acolhê-lo sem obrigá-lo a romper sua diferença. Nesse sentido, a convivência com o diferente nos faz sentir e entender o sentido de palavras como dignidade, respeito e superação o tempo todo. Viver a experiência de quem é excluído pode permitir também o surgimento de formas de enfrentamento da crueldade, desprezo e violência contra o outro.


Conseguir trilhar caminhos de inclusão junto de quem apresenta alguma dificuldade de acesso é entender que não fazer parte dói e deixa marcas e que criar acesso transforma o outro, a si e o ambiente.

A verdade de si mesmo acontece e se revela pelo reflexo do rosto do outro. Para ter um lugar fundado e mantido, todo mundo precisa de um lugar de afeto, de reconhecimento e cuidado oferecidos por alguém que acolha suas condições e especificidades. Nada mais valoroso do que criar socialmente espaço para ações de bem estar a todos.

Conviver com a diferença é uma tarefa inesgotável. Os outros sempre deixam um toque enigmático e inquietante para nós. E isso demanda trabalho para a criação de novas ações e discursos. Ainda bem.

Descrevo agora uma experiência de inclusão.

Numa família que diariamente jantava junto, entre adultos, adolescentes e um bebê, este era constantemente estimulado a comer sozinho, com autonomia. E quando esse o fazia, seu ato era seguido das palavras “o neném, o neném… Papou tudo!”, com palmas de todos. Eram assim todas as noites. Passado um tempo, em certa noite, o bebê observou os pratos vazios dos demais e, falando a relação de parentesco ou o nome de cada um à mesa, repetiu as palavras de incentivo: “o papai, o papai… Papou tudo”. Fez isso por umas três refeições até que todos pararam de querer incluir. O bebê já estava jantando à mesa como todos.

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